André França
Dr. Freud's Vacation




Tanto Duchamp quanto Freud realizaram o mesmo gesto fundamental. Este gesto radical foi o de “apontar para um outro lugar”. Freud apontou para aquilo que ele chamou de “a outra cena”, isto é, o campo do inconsciente; e Duchamp apontou para o também insuspeitado campo da latente artisticidade dos objetos ordinários, fabricados em série, que abundam em nosso cotidiano. Sempre que “apontamos para um outro lugar”, realizamos uma operação de deslocamento, e é isso o que faz surgir um urso polar no Saara, por exemplo, dentro de uma lógica onírica. Mas, nesta série, este deslocamento está também a serviço, no terceiro tempo do tríptico, do “encontro” e do estranhamento: o encontro com uma escada que, numa praia, brota do nada e se dirige para o céu; o encontro com um urso polar no Saara ou com animais selvagens que parecem pacientemente esperar por uma preleção. A idéia de “Freud pregando no deserto” está presente, sim, não há como fugir dela; afinal, encerrado o século de Freud, os homens continuam se movendo a partir da lógica do acúmulo de montinhos de dinheiro e deixando solta a pulsão de destruição nas guerras que nunca terminam e que nunca entendemos.


- Trecho da entrevista publicada no catálogo da exposição ABRE ALAS 5, realizada pela galeria A Gentil Carioca (RJ). Leia a entrevista completa.