Entrevista ao Instituto Sergio Motta sobre as fotografias selecionadas no Festival HTTPpix Junho/2010
André França: Primeiro, devido à relevância e qualidade das ações ligadas ao campo das artes desenvolvidas pelo Instituto Sergio Motta.
Segundo, porque o tema é bastante interessante e merece ser
objeto de uma reflexão continuada e mais disseminada. A
publicidade (e a existência das "marcas") é
talvez o empreendimento humano mais presente e constante em nossa
vida social. No entanto, a maioria das pessoas não dá
mostras de refletir suficientemente sobre o assunto ou adotar em
relação a ele uma posição crítica.
ISM: Fale um pouco sobre as fotos que você inscreveu. O que sentiu sobre o tema proposto?
AF: Inscrevi seis
fotografias de duas das minhas séries: três fotografias
da série "Call me, love" (2008-2010) e três da
série "Chorus of an old song" (2009). Diante do tema
proposto, decidi abordá-lo de forma oblíqua: ao invés
de tratar do momento em que o objeto que apresenta a marca é
utilizado, quis investigar o momento anterior e posterior ao seu uso,
construindo assim uma certa dimensão do fluxo da existência
destes objetos e estabelecendo, numa perspectiva crítica, um
forte contraste entre estes dois momentos. Assim, as três fotos
da série "Call me, love" apresentam duas vitrines de
lojas e um gigantesco painel publicitário. Nos três
casos, o que se quer vender são roupas para mulheres. Nos
três, se procura associar às roupas uma certa dimensão
erótica, não apenas através do arranjo visual
dos objetos, da composição de uma "cena" (que
explora as figuras femininas), mas também do texto que se
inclui: na fotografia Call me, love #8 (I want you to take me home and...), a parte do título que está entre parênteses
é legível na foto e funciona como um convite explícito
à compra do objeto, mas, promete ainda mais (o texto
prossegue, em letras que vão diminuindo de tamanho: "...and
kiss every inch of my perfect body..."). Associa-se assim a
compra do produto com a promessa do prazer, do sexo, da felicidade.
Em outra foto deste primeiro conjunto, Call me, love #7 (hot girls make great clothes), um enorme painel publicitário mostra
belas modelos usando biquínis e trabalhando em um processo de
manufatura de jeans. O texto da peça publicitária,
novamente incorporado ao título da foto, diz: "hot girls
make great clothes" ("garotas gostosas fazem ótimas
roupas"), a peça desta vez procurando explorar mais a
perspectiva da identificação com a consumidora. A marca
do produto à venda nesta peça está bem visível.
Escolhi constituir esta primeira parte da série com fotos
coloridas, pois as suas cores exuberantes se afinam com a promessa de
ilusão, fantasia e felicidade que está em jogo na
estratégia de venda destes objetos. Uma vez compradas, estas
marcas que carregamos são mais ou menos inconscientemente
endereçadas ao olhar do outro, buscando fazê-las
funcionar no sentido da realização da promessa da
obtenção daqueles objetos (sexo, felicidade, etc).
Estas três fotos foram feitas em Nova York. E então
temos a segunda parte desta série que apresentei para o
HTTPpix, formada por três fotografias da série "Chorus
of an old song". Escolhi desta vez três fotografias em
preto-e-branco para salientar o esvaziamento da fantasia
anteriormente associada àqueles objetos. As fotos mostram
objetos encontrados em uma praia do sul da Bahia. Continuamos com
produtos associados ao vestuário feminino. Temos uma calça jeans (ícone do vestuário do século XX) quase
que inteiramente enterrada na areia, um sapato de mulher (outro
objeto do desejo feminino) no qual se vê bem a marca e uma boneca, uma barbie genérica, que encarna a representação
idealizada da figura feminina, presente também nas fotos do
primeiro conjunto. Estes agora são objetos decaídos,
descartados, esvaziados de seu investimento original de desejo e de
sua potência de captura do olhar do outro. São apenas os
restos da máquina que produz as marcas.
ISM: Por que você escolheu fotografar essas marcas?
AF: A minha decisão
não se deu pelas marcas especificamente, mas pelo entorno,
urbano ou natural, onde elas se encontram. Aqui, me interessa mais a
relação, a dinâmica entre a marca e o seu
contexto de apresentação, pois é aí que
melhor podemos apreender a potência de alcance do seu discurso
- assim como observar o seu posterior declínio e degradação.
ISM: Que tipo de câmera
você utilizou (câmera digital, câmera do celular,
webcam etc)? Por quê?
AF: As três
fotografias da série "Call me, love" inscritas aqui
foram feitas com uma câmera digital de visor direto. Eu estava
na rua e era simplesmente a câmera que eu tinha à mão
no momento. As três fotos foram feitas sem planejamento prévio,
como reação imediata ao encontro com este amálgama
de publicidade, sexualidade e ambiente urbano que elas apresentam. Somente vários meses após tê-las feito é
que decidi incorporá-las à série. Esta série
também apresenta fotografias feitas com filme. As outras três
fotografias inscritas, da série "Chorus of an old song",
foram feitas com uma câmera analógica reflex, carregada
com filme preto-e-branco. Aqui, ao contrário, o trabalho foi
previamente planejado, ainda que, como se trata de um trabalho com
objetos encontrados, eu nunca sabia exatamente o que iria fotografar
em cada dia. Esta câmera foi a minha opção pois,
até aqui, quando estou consciente de que estou fotografando
para uma nova série, prefiro a câmera analógica.
Aprecio muitas vantagens e facilidades da fotografia digital, mas
também gosto muito de certas características da
fotografia analógica. Gosto muito, por exemplo, de fazer uma
fotografia e não ver o resultado na hora; somente encontrar a
foto dias depois, após revelado o filme. Comecei a realizar as
minhas séries fotográficas em 2002, e, de lá pra
cá, mais de 90% das minhas fotografias foram feitas com câmera
analógica.
ISM: Como você ficou sabendo do festival?
AF: Fiquei sabendo
através da minha rede social. |
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