Tanto Duchamp quanto
Freud realizaram o mesmo gesto fundamental. Este gesto radical foi o
de “apontar para um outro lugar”. Freud apontou para
aquilo que ele chamou de “a outra cena”, isto é, o
campo do inconsciente; e Duchamp apontou para o também
insuspeitado campo da latente artisticidade dos objetos ordinários,
fabricados em série, que abundam em nosso cotidiano. Sempre
que “apontamos para um outro lugar”, realizamos uma
operação de deslocamento, e é isso o que faz
surgir um urso polar no Saara, por exemplo, dentro de uma lógica
onírica. Mas, nesta série, este deslocamento está
também a serviço, no terceiro tempo do tríptico,
do “encontro” e do estranhamento: o encontro com uma
escada que, numa praia, brota do nada e se dirige para o céu;
o encontro com um urso polar no Saara ou com animais selvagens que
parecem pacientemente esperar por uma preleção. A idéia
de “Freud pregando no deserto” está presente, sim,
não há como fugir dela; afinal, encerrado o século
de Freud, os homens continuam se movendo a partir da lógica do
acúmulo de montinhos de dinheiro e deixando solta a pulsão
de destruição nas guerras que nunca terminam e que
nunca entendemos.
- Trecho da entrevista publicada no catálogo da exposição ABRE ALAS 5, realizada pela galeria A Gentil Carioca (RJ). Leia a entrevista completa. |