Salvador Update entrevista André França
Junho / 2010
Há quanto tempo está envolvido com a
fotografia?
No nível do prazer da apreciação desde
os 8 ou 9 anos. Desde essa idade eu já gostava muito de olhar as
fotografias nos livros. Também fotografava na infância, com a
câmera de meus pais e continuei por toda a adolescência –
comprei minha primeira câmera aos 14 anos. A partir da adolescência, a
relação com a fotografia passou a ser também de estudo.
Desde 2002 passei a fotografar partindo da concepção e
desenvolvimento de projetos que resultam em séries fotográficas.
A primeira delas é de 2003 e algumas de suas fotografias participaram de
uma exposição coletiva no mesmo ano.
Quais são as suas influências?
Respondi esta pergunta em uma entrevista de janeiro de 2009;
como a resposta continua válida, repito-a aqui. As influências
mais conscientes, em épocas distintas de minha formação,
são estas: Edward Weston (pelo interesse delicado no campo dos objetos,
da natureza, dos materiais naturais); William Eggleston (pelo trabalho com a
paleta de cores e também pelo interesse nos objetos); Edward Hopper
(pela representação da solidão, do silêncio, da
dificuldade de comunicação); Michelangelo Antonioni (pelos mesmos
últimos motivos); Helmut Newton (pelo desejo convertido em sensualidade
que, para mim, retorna de novo a desejo – pela fotografia); Cindy Sherman
(pelo procedimento da encenação e a referência à
imagem cinematográfica).
Atualmente, o que lhe chama atenção na
fotografia? Quais fotógrafos você destacaria?
O que me chama mais a atenção e também
o que mais aprecio são as possibilidades expressivas que encontramos
hoje na fotografia, derivadas da assimilação de processos da arte
contemporânea, principalmente a partir dos anos sessenta: a
estratégia da encenação, da performance, do arranjo da
cena a ser fotografada; um renovado interesse no campo dos objetos; a
perspectiva do “diário íntimo”, que resulta numa
espécie de crônica fotográfica da vida do artista, de seus
amigos ou familiares; uma nova perspectiva documental, que prioriza uma imagem
mais distanciada, fria e objetiva; os processos de apropriação e
reconfiguração de imagens preexistentes, de outras mídias
e formatos artísticos; entre outras poéticas. Em todas estas
abordagens, nós temos visto nos últimos anos trabalhos muito
interessantes e consistentes; mas, também, aqueles que parecem estar
sendo feitos no “piloto automático”, de forma muito
artificial, repetitiva, vazia e tediosa, pretendendo apresentar-se num
“formato contemporâneo” já bem reconhecido.
Dentre os artistas trabalhando nestas várias
perspectivas, posso mencionar alguns cujos trabalhos eu admiro e com os quais
sinto afinidade, seja exclusivamente no nível da
apreciação ou também da realização: entre
aqueles com produções nas últimas 2 ou 3 décadas:
William Eggleston, Cindy Sherman, Nan Goldin, Helmut
Newton, Jeff Wall, Vik Muniz, Thomas Struth, Sophie Calle, Miguel Rio Branco,
Andreas Gursky, Candida Höfer; entre os nomes que ganharam visibilidade
nos últimos anos: Simon Norfolk, Izima Kaoru, Miriam Bäckström,
Thomas Demand, Frank Breuer, Kelli Connell.
Já passou por alguma situação de
perigo quando estava fotografando?
Somente o “perigo” de não poder continuar
a fotografar. Certo dia, quando estava na rua fazendo algumas fotografias da
série “art world”, a temperatura externa era de -10 graus
Celsius e isso fez a minha câmera parar de funcionar. Fiquei alarmado
pois aquele era o último dia que eu havia reservado para trabalhar nesta
série. Felizmente, eu estava com uma segunda câmera e pude
continuar o trabalho.
Que equipamento está usando (câmera e
computador)?
Mais de 90% das fotografias que fiz até aqui foram
feitas com câmera analógica, incluindo as fotografias de minha
última série, “Quintal” e também de uma
série nova, ainda inédita. Comprarei uma nova câmera em
breve, mas ainda não decidi se será analógica ou digital.
Uso o computador para fazer o tratamento digital das
fotografias, que, no meu caso, se resume apenas à limpeza e eventuais
pequenos ajustes de contraste. Ou, então, em operações de
montagem seqüencial de fotos, como na composição dos
trípticos das séries “Nightswimming” e “Dr.
Freud's Vacation”.
Você acredita que seu trabalho evoluiu com a
fotografia digital?
A evolução do meu trabalho não deve
nada à tecnologia digital. E, por outro lado, poderia dizer
também que, se desde o início eu tivesse sempre usado apenas
câmeras digitais, poderia perfeitamente ter realizado as mesmas
fotografias e séries que fiz até aqui. Quero dizer, então,
que em relação às abordagens que adotei até aqui
para realizar os meus trabalhos, o uso de mídia analógica ou
digital no momento da captura da imagem não faz, para mim, nenhuma
diferença.
Sobre essa invasão digital em todas as
áreas... Hoje a fotografia é muito mais acessível, todo
mundo se aventura a fazer suas próprias fotos. O que você acha
dessa situação? Isso contribuiu ou vulgarizou a fotografia como
arte?
Que todo mundo hoje possa fazer fotos é algo
maravilhoso, pois as pessoas passam a ter a oportunidade de se comunicar e se
expressar também através de imagens feitas por elas mesmas. No
entanto, para realmente valorizar esta possibilidade atualmente disseminada em
nossa sociedade, é necessário que uma reformulação
no ensino de 1o e 2o graus inclua disciplinas específicas onde os alunos
possam aprender a ler e interpretar as imagens e também a
construí-las de uma forma mais consciente, inteligente, crítica e
reflexiva.
O advento da fotografia digital – com as câmeras
digitais e os softwares de edição de imagens – trouxe, sem dúvida, novas e
inéditas possibilidades às abordagens artísticas em
fotografia. Diferentes formas de manipulação e
interferência sobre as imagens têm levado a vários
resultados interessantes que simplesmente não eram possíveis
antes. Então, claro que esta é uma significativa contribuição.
Mas os processos digitais de forma alguma são os únicos
responsáveis pelos avanços recentes da fotografia como meio de
expressão artística. O conjunto de processos que mencionei acima,
além de outros, são ainda mais influentes na
configuração do espectro de poéticas da fotografia
contemporânea. E a maior parte deles pode ser realizada com equipamentos
fotográficos analógicos.
Por fim, a tecnologia digital não vulgarizou a
fotografia de expressão artística. Não há
relação direta entre uma coisa e outra. Uma pessoa pode fazer uma
fotografia vulgar usando equipamento analógico ou digital.
Mas, o fator mais importante deste impacto da tecnologia
digital, é que ele literalmente destruiu a fotografia (como ela foi
conhecida por cerca de 150 anos) e a transformou em uma outra coisa, totalmente
diferente. Não é mais possível olhar para uma fotografia
feita hoje e tomá-la como uma representação icônica
“verdadeira” de uma cena ou situação ocorrida de fato
em frente à câmera. O desaparecimento da relação
direta entre representação icônica e referente, transformou
a fotografia, nos dias de hoje, em pintura.
A estética para você é um instinto
natural ou sente que adquiriu isso com o tempo? Você acha que a beleza
é fundamental?
Não duvido que alguma dimensão do que chamamos
de senso estético possa estar codificada em nosso DNA. O que posso dizer
sobre o meu percurso é que, com o passar do tempo o meu senso
estético foi se desenvolvendo, e isso a partir da
apreciação das fotografias de muitos autores, da minha
própria prática fotográfica e também da leitura de
textos do campo fotográfico.
Penso que é fundamental a beleza da
experiência que temos quando da fruição de uma obra de
arte. E penso também que esta dimensão da beleza é, a
priori, a única que precisa existir no horizonte do artista.
Na sua série “Quintal”, você
conta que foi o início de alguns dos seus primeiros trabalhos, por
quê você quis voltar e fotografar tudo novamente? É um mero
escoamento de imagens ou um re-fotografar?
O que digo no texto de apresentação da
série “Quintal” é que ali, no quintal da casa em que
cresci e morei até os 14 anos, fiz algumas de minhas primeiras
fotografias.
Para a realização desta série recente,
não quis “fotografar tudo novamente” e nem fiz isso. Tive o
desejo de desenvolver uma série fotográfica naquele espaço
pois ele é muito importante no meu campo subjetivo. Trata-se de um projeto onde se articulam
memória pessoal, afetos, fantasias, reconfiguração de
memórias, meu interesse no campo dos objetos e, num “horizonte
histórico”, alguns dos meus primeiros exercícios e
experimentações com a fotografia. É, também, uma
meditação sobre o fluxo do tempo que se desenrola como suporte de
nossas vidas.
Sua produção é muito marcante
pela estética preto e branco, na série "Sight for sore
eyes", o por quê desta captura em p&b?
A minha escolha de trabalhar em cores ou em preto-e-branco
se dá de acordo com a concepção de cada projeto. Cerca de
metade das séries que realizei até aqui foi feita em cores. O
preto-e-branco mantém ainda hoje sua capacidade de encantar devido
à imediata artificialidade que confere a uma imagem em
relação à nossa percepção natural do mundo.
Além disso, tem a capacidade de tornar a imagem mais “simples”,
mais orgânica, filtrando-a dos ruídos freqüentes da complexidade
cromática – ao mesmo tempo em que valoriza as formas e sombras,
conferindo força e estrutura à imagem. E ainda há uma
certa atmosfera vintage que se associa à imagem.
Na série, "Chorus of an old
song", tem uma
situação externa que normalmente não é vista como
forma ou massa coesa e cria uma percepção, para os seus elementos
essenciais - volume, margens, altura, comprimento, largura - por meio de ato
específico que fotografar de distâncias diferentes, os objetos encontrados? Pode falar sobre essa serie?
Nesta série empreguei a abordagem dos found
objects (objetos encontrados). Foram fotografados em uma praia objetos
naturais e feitos pelo homem. Em ambos os casos, o interesse se concentrou no
destino que o próprio Tempo reservou a estes objetos, sujeitando-os a
condições de desgaste físico, arranjo e rearranjo
espacial, até este momento em que os encontramos e eles podem nos
surpreender pelas suas formas, pelo delicado equilíbrio estético
em que se encontram, pela fragilidade que nos remete ao “tempo das
coisas” e à própria condição humana.
Tens algum projeto em mente? Pode nos contar?
Estou trabalhando em dois projetos no momento. O primeiro
já está finalizado e aguardando apenas o texto de
apresentação da série. O segundo continuará em
desenvolvimento ao longos dos próximos meses. Enviarei um convite para
vocês quando cada uma destas novas séries estiver em
exposição.
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